Quando me olho ao espelho quase não me vejo e não me
reconheço...
Sei que através deste meu rosto atual tem o reflexo do meu outro
antes, que as vezes insiste em aparecer, sei que é para me chamar atenção, sei
que por vezes quer, ou a maioria das vezes quer que a vá buscar mas eu não quero
ver, ou não consigo ver por tão transformada que estou, em alguém que hoje está
aqui ou em qualquer lugar mas sabe que não se encontra totalmente, porque não
se aceita ainda…
Vejo no espelho um rosto refletido quando acordo de manhã e
lavo a cara ou quando coloco um creme e um rímel, não para parecer mais bonita
ou bonita…mas sim para se olhar um pouco mais e pensar nas perguntas
insistentes (quem és tu? O que fazes aqui e o que fazes contigo?)
Deixem-me contar-vos uma história verídica que trago comigo
entrelaçada dentro do meu coração e na minha memória, essa história passou-se
em moçambique o meu país.
Tinha eu três anos de idade e para mim é tão real tão presente
como se estivesse lá agora, neste preciso momento que vos estou a contar... é um reviver de
mim pequenina e é tão bom, só de estar a falar sinto o cheiro da fruta, do sabor
da comida, ai aquele arroz tão branquinho com sabor a cocô em que eu pegava com
as minhas mãos tão pequeninas e levava a boca com uma satisfação tão grande de
conseguir sozinha, os molhos eram tão diferentes tinham um sabor tão próprio
tão único, mesmo que eu queira explicar não dá, sabem, eu estava numa festa de
convívio numa das casas do meu pai em moçambique, recordo-me da esteira no
chão em frente a casa, no fundo das escadas que faziam parte do alpendre enorme,
eu estava sentada nela com aquela comida toda a minha frente recordo-me de ver
tanta gente e também os meus irmãos sentia-me amada por tudo…
E quando chovia?
Que bom que era sentir aquela chuva forte, grossa, quente e tão rápida que
corríamos todos lá para fora com uma alegria e uma ânsia para não perdermos uma
única gota daquela chuva, pegávamos em pequenos barris colocávamo-nos em cima
deles como se fossem barcos e íamos com as correntes fingindo que estávamos no
mar e no meio de uma tempestade…mas no fim daquela chuva toda abria um sol
tão lindo e quente que o cheiro a terra era tão intenso depois de molhada,
untávamo-nos uns aos outros como se estivéssemos a esculpir a nossa imagem de
momento no nosso momento.
Sim era feliz uma criança muito saudável e cheia de
aventura e vontades, mas o facto é que essa menina perdeu-se a meio do caminho
do seu processo de vida os seus objectivos foram-se tornando cada vez menos
importantes porque de certa forma não foi possível levar em frente o meu
caminho na dança rítmica e ginástica acrobática, estava tão entregue e tão dedicada pois
adorava o que fazia e tinha muito empenho, conseguia falar e expressar tudo o que sentia dentro da minha pessoa,fui escolhida na altura para representar o grupo mas tinha de ir para espanha, pois era lá que iam decorrer as primeiras provas e não foi possível
isso acontecer, não que os meus pais não confiassem mas na altura que era não
foi possível, levar em frente o meu sonho que ficou para trás…um sonho não
realizado no trajecto da minha vida, e agora isso reflete cada vez mais em
mim, por ainda não ter aceitado…ainda...
Provavelmente pois é algo que ainda rebate em
mim, na minha alma, na minha pele, no meu corpo e através do meu rosto, como as
ondas rebatem na areia com euforia ou alegria, mas em mim é um efeito dos
porquês que teve de ser assim, porquê que eu não pude escolher?
Sim sinto-me perdida, por vezes confusa e nada realizada,
ainda não me aceito como preenchida ou completa, mesmo que apesar de alguns
sonhos realizados ainda não são o suficiente…são tantas as experiências que
tiveram o seu lado negativo mas que tiveram o seu lado positivo das mesmas que
me levaram a desenvolver uma força maior em mim, ajudou-me a crescer,
amadurecer continuar a dar o melhor de mim a mim mesma.
Houve uma altura que
olhava ao meu redor e pensava que eramos todos iguais, mas só me estava a
enganar, todo o ser humano é diferente, aí é que vem a beleza da humanidade,
isto porque se fossemos todos iguais em tudo certamente não estaria aqui onde
estou hoje e a escrever essa diferença relatada em letras que se vão
transformando em palavras, em que cada uma delas tem o seu significado através
dessa mesma diferença.
Tenho três irmãos e duas irmãs, somos
iguais?
Não...a nossa diferença já começa aí, cada um de nós tem
capacidades muito diferentes, um na escrita e a forma como se expressa através
dela, outro na musica que sai das suas mãos e através da sua alma, outro na
culinária que se sente pelo cheiro inesquecível e o sabor único de cada
receita, na tecnologia em que se transforma em solução por cada situação
apresentada e criativa, no negócio que cresce a cada dia com a sua criatividade
e qualidade, e no acolhimento de um abraço no som da sua voz e na capacidade da
paciência hoje em dia reduzida…
Com tudo isto no meu percurso de vida não vejo forma
em que as experiências ou condições sociais tenham afectado negativamente, mas
sim positivas, agora sim sei que eu própria é que me fui afectando por não me
acreditar.
Glória Paiva